sexta-feira, 26 de abril de 2013

Todas as nossas Marias

Era só mais uma sexta-feira para Maria. Uma sexta-feira trivialmente leve, com cores e cheiros de sextas-feiras. Mas aí uma vontade incontrolável cai sobre Maria. Na verdade, era desejo e desejo é a vontade de não se controlar. E a sexta-feira muda o rumo, muda a cor. 

Maria foi rever seu antigo caso. Assim como todas as sextas-feiras, todas as mulheres são um pouco iguais. Todas têm, em algum momento da vida, um caso antigo do passado sempre muito presente. As Marias e as sextas-feiras são mesmo todas iguais... 

Como sempre, ele a pega em sua casa. Como sempre, Maria se atrasa para descer e o faz esperar. Todas as Marias se atrasam para um reencontro de amor. Como sempre, Maria entra no carro dizendo “e aí?” e, como sempre, o caso-presente-do-passado responde “tá tudo bem contigo?”. Maria tem certa dificuldade em ser amorosa e emotiva com ele e no fundo sabe que é uma espécie de autodefesa. Ou não. Sei lá. Todas as Marias, em algum momento, não se entendem muito bem. Eles param para comprar gelo. É costume beberem alguma coisa nos seus reencontros. E Maria gosta da ideia porque está deveras nervosa e pensa que a bebida deixará menos pesada sua alma. Todas as Marias, em algum momento, precisam de um drink bem forte para aguentarem uma emoção idem. Maria olhava disfarçadamente para ele durante o caminho. Fazia uns meses que não o via e queria prestar atenção nele, ver se era o mesmo. Olhava sua roupa (sempre básica),seu cabelo (grisalho), as mãos (tão bonitas). Maria pensava coisas, lembrava coisas e ria de canto. Ele perguntava o que era e Maria dizia que não era nada. Mas era tudo. Um turbilhão de pensamentos e emoções dentro de uma Maria tão pequena. 

Eles chegam no local. Era tarde ainda. O quarto estava claro, claríssimo. Não esperam nada, fazem amor vorazmente, como se fosse a última vez. E de fato era, Maria já sentia. Todas as Marias, em algum momento, sentem essas coisas. Foi rápido. E não foi como era de costume. Maria sentia que tava diferente. Enquanto ele cochilava do seu lado, ela o olhava. Um cinema existia dentro de Maria naquele momento. Um filme saudosista, dramático. Daqueles que todas as Marias choram. E Maria chorou. Chorou olhando pra ele, sem roupa, naquela cama. Chorou de tanta saudade que estava, chorou porque sabia que ele nunca foi dela, chorou porque ela era tão dele, que se desprendia de si mesmo. Chorou pela certeza do fim de algo que nunca efetivamente começou. Chorou pela certeza plena que aquilo tudo iria passar. Chorou porque nunca soube lidar com o fato de querer tanto alguém. Logo Maria, tão desprendida, tão solta, tão marrenta. Maria chorou, porque amor demais sempre acaba transbordando em lágrimas gordas. 

Ela sai pro banheiro para limpar o rosto. Precisava manter sua fama de má. Ele vai fazer os drinks e então conversam por muito tempo. Maria tinha prometido para si mesma que não faria DR’s, que não cobraria nada, que não perguntaria sobre sua namorada atual, que não seria melodramática. Todas as Marias, em algum momento, teimam em fazer promessas que não podem cumprir. Maria sempre achava um jeito de perguntar, nas entrelinhas, o porquê de ele não ter querido tanto ela, como ela o queria. Metia umas roupinhas sujas pra lavar, bem no meio de um riso sobre alguma coisa que debatiam. Maria sabia que ele não era culpado por nada – “mea culpa”. Ele não era de iludir, de fazer promessas. Nem ela era de se iludir. Mas todas as Marias, em algum momento, se perdem de si. Ela alimentou seu amor sozinha. Como só o dono alimenta seu animal de estimação exótico. 

Maria, pela segunda vez, percebe que chegou ao final. Não teve fim ainda, para ela, mas chegou ao final. E aconteceu o que ela não queria – ela chora, sem ligar pra disfarces. Perde a pose de durona. Desmorona. Todas as Marias, em algum momento, sempre soltam a corda do cabo de guerra. Ele não diz nada. Olha pro chão. Maria que o acalma, vejam só – “Não te preocupa, isso é bobagem minha. Vai passar. Nem sei porque tô chorando assim.” E tenta um riso. Em vão. Sua alma estava cinza. Seu coração, uma bola de chumbo. 

Maria joga um pouco de sua ironia sobre o relacionamento dele, como que desdenhasse. Todas as Marias, em algum momento, desfazem da atual, querendo intimamente, seu lugar. Até porque, Maria nem “EX” era. Maria tinha a convicção de que foi um “lance”. E essa dor era escura. E esse contraste era amargo. E essa sinestesia era dura – ele era o amor de Maria. Ela era o quê para ele? Todas as Marias terminam, em algum momento, dando bem mais que o recebido. 

Maria vai vestindo sua roupa e as lágrimas – teimosas- caindo feito cachoeira de mata virgem. Começa a tocar uma música daquelas bem filha da puta, daquelas que arrastam o coração da gente no chão: “I can’t take my eyes off of you...” Ele chega perto dela, fasta o cabelo, beija sua nuca e canta em seu ouvido “I can’t take my eyes off of you...”. Maria fecha os olhos. Todas as Marias, em algum momento, sempre fecham os olhos quando a dor não cabe no peito. Maria acha o momento tristemente lindo. 

Eles vão embora sem falar mais nada. O caminho parece mais longo. Ele pede para ela o convidar para sua formatura e ela acha isso até legalzinho. Quando chegam na porta da casa, eles se olham e se beijam de forma singela, terna. Um selinho demorado, com força. Um beijo de despedida tinha um gosto que Maria não sabia bem explicar. Um gosto de Judas misturado à um gosto de príncipe acordando a princesa. É, a princesa estava mesmo acordando. Se dando conta que nunca deu certo e nunca iria dar. Se dando conta que nunca poderiam mesmo ter tido nada a mais que um “lance” porque, para querer ter algo com uma pessoa, é preciso ADMIRA-LA. É premissa fundamental. E Maria sabia que ele não a admirava o bastante. Maria sabia que eles eram de mundos tão diferentes e distantes. Maria sabia que nada dá certo começando errado. E começou. Ele com uma imagem pré-estabelecida erroneamente sobre ela. Ela carente e com expectativas naquele cara dos seus sonhos. Todas as Marias, em algum momento, caem na real. 

E Maria subiu. E chorou. E se deu conta que era o fim, pela terceira vez naquela sexta-feira. Já era noite, no mundo exterior e no mundo interior de Maria. Maria estava de luto. Luto por ter que desistir do seu amor, seu único amor. E Maria chorou até cair no sono. Todas as Marias, em algum momento sempre choram até dormir e acordam de ressaca. Maria só despertou quando já não era mais sexta-feira. E nada era mais igual. Nem o dia, nem Maria.




                                                                                                    




2 comentários:

  1. Paty, meus parabéns...
    Marias foi um dos texto mais lindos que já li na vida.
    Quero parabenizar também "Maria", por ter se despedido de um amor que foi e é só dela.
    Um grande abraço minha amiga!!!
    Te amo!

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  2. ow amiga,tu ler a alma de Maria...
    Muito obrigada por um elogio tão bonito.

    Um grande abraço também. Eu te amo.

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